O impacto dos smartphones na saúde mental de crianças e adolescentes

Por: Michele Muller

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Artigos de Educação

15 de jan. 2025
O impacto dos smartphones na saúde mental de crianças e adolescentes

Michele Müller

Estamos vivenciando uma crise mundial na saúde mental e crianças e adolescentes são as vítimas mais vulneráveis desse declínio. Não faltam números que comprovem a urgência dessa questão. Dados do SUS de 2023 mostram que, pela primeira vez, distúrbios de ansiedade afetam mais jovens entre 10 e 20 anos que adultos. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a incidência de depressão entre jovens teve um aumento de 152,5% no período entre 2009 e 2019.

O relatório Situação Mundial da Infância, da Unicef, mostra que em 2021 um em cada seis brasileiros entre 10 e 19 anos, parcela mais vulnerável a autolesões e suicídio, apresentava algum transtorno psíquico. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, constatou que em 2023 40% dos estudantes do ensino médio reportam sentimentos persistentes de tristeza e desesperança. O que aconteceu na última década que pode estar por trás da deterioração da saúde mental dos jovens? 

Em entrevista ao Wall Street journal, o psicólogo social Jonathan Haidt, professor da Universidade de Nova York e autor de diversos livros, incluindo o best-seller Geração Ansiosa – como a infância hiperconectada (Cia das Letras) está causando uma epidemia de doenças mentais, explicou que, em 2013, como foi como "se tivessem apertado um botão", e a partir dali deu-se uma profunda transformação no estilo de vida de adolescentes. Foi quando todos passaram a carregar um smartphone no bolso, podendo entrar em mídias sociais e passando a receber notificações a cada instante – 240, em média, por dia, segundo levantamento da empresa inglesa de pesquisa Common Sense. Não há como não associar essa mudança na rápida degradação da saúde mental dessa geração. 

Precisamos nos deparar com dados alarmantes de um problema que se intensifica ano a ano para que, finalmente, a discussão sobre o lado prejudicial das telas se transforme em medidas práticas. O lançamento do livro de Haidt veio acompanhado de movimentos de pais, especialistas e ativistas do mundo inteiro demandando um basta ao uso livre dos aparelhos por crianças e adolescentes – que não são os únicos a sofrerem os danos das notificações constantes, mas certamente formam o público mais vulnerável aos seus efeitos.

Como resultado, diversos países, inclusive o Brasil, estão tomando medidas para mudar essa realidade, ao menos no que diz respeito aos problemas trazidos pelo uso dos telefones no ambiente escolar. A Austrália deu um passo maior e, numa iniciativa inédita no mundo, proibiu o uso de smartphones e de mídias sociais entre crianças com menos de 16 anos. A lei veio como resposta ao crescente registro de hospitalização de crianças com problemas psiquiátricos naquele país.

No Brasil, a partir desse ano, graças a um projeto de lei aprovado pelo senado federal, o uso de celulares e tablets em escolas fica proibido, inclusive durante o recreio e intervalo entre as aulas – período fundamental para a socialização e que não apenas vem sendo desperdiçado, como, frequentemente, é usado para filmagens de colegas, muitas vezes seguidas de denúncias de bullying virtual. De acordo com a proposta, os aparelhos podem ser utilizados unicamente para fins pedagógicos ou de acessibilidade com o acompanhamento de professores, ou por estudantes que necessitem de acessibilidade.

Nas palavras de Haidt, ao mesmo tempo em que estamos superprotegendo as crianças do mundo real, estamos deixando-as desprotegidas do mundo virtual. Ao superestimar os perigos do lado de fora dos muros de casa ou da escola, acreditando que os filhos estão mais seguros na frente de telas, pais privam-nos de resolver problemas e correr pequenos riscos, fundamentais para a construção da autonomia. São duas vertentes opostas que levam aos mesmos problemas: falta de resiliência, imaturidade emocional e perda de habilidades sociais – uma combinação infalível para a formação de baixa autoestima e ansiedade.

Nosso maior oponente na hora remodelar essa realidade é, segundo o escritor, a resignação. Muitos pais relutam em dar aos filhos seu primeiro smartphone, mas acabam cedendo quando eles argumentam que todos os seus colegas já têm um; ou frustram-se ao ver a criança vidrada nas telas, mas aceitam, convencendo-se de que essa é a realidade de toda uma geração.

As mídias sociais reconfiguraram a sociedade de tal forma que pais veem-se impotentes diante da força da comunicação virtual, pois eles mesmos, muito provavelmente, não conseguem desconectar das redes: 85% dos adultos admitem serem viciados em seu telefone e não conseguirem ficar sem checar notificações por mais de cinco minutos, conforme pesquisa levantada pela empresa Reviews.org. O vício em telas é mais que aceito: é normalizado, por mais danos que cause à forma como as pessoas, e principalmente aquelas cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento, se relacionam, processam informações e lidam com adversidades. 

O livro de Haidt, apesar de não ter sido o primeiro sobre o assunto, cumpriu um papel importante na tomada de decisão de autoridades em todo o mundo, graças à grande repercussão que gerou. Um dos motivos, além de ter chegado na hora certa, quando temos uma década de dados comprovando a necessidade de mudança, é o fato do autor ser direto e incisivo: com base em todo o conhecimento que coletou sobre o assunto, ele estabeleceu quatro regras fundamentais para que ocorra uma reconfiguração da infância. São elas:

  1. Sem smartphones no ensino fundamental. Crianças nesta fase podem portar um telefone estilo flip, sem acesso à internet, com o intuito de se comunicar com pais fora do horário escolar. Haidt lembra que a geração dos millennials usava esse tipo de telefone, sem sofrer danos na saúde mental.
  2. Sem redes sociais antes dos 16 anos. Esse tipo de mídia é inadequada e prejudicial a crianças e adolescentes: gera comparações, disputas, alimenta vaidades e inseguranças, passam uma ideia de mundo longe da realidade, possibilita a prática de bullying virtuais e rouba a atenção dos estudantes, que deveria estar voltada a atividades construtivas.
  1. Sem telefones na escola. Seja smartphone ou não, seja no ensino fundamental ou médio: celulares devem estar trancados no armário para que, durante as horas de atividades escolares, estudantes estejam totalmente livres de distrações tecnológicas e exercitem a capacidade de sustentar a atenção. 
  1. Mais brincadeiras não supervisionadas e liberdade às crianças. É nos momentos em que estão longe dos olhos protetores dos adultos, em atividades livres e que envolvem o corpo e pequenos riscos, que crianças ganham autonomia e autoconfiança. Crianças superprotegidas são adultos inseguros.

Quando a sociedade inteira está sob o efeito de um encanto, atitudes isoladas não são suficientes para quebrá-lo. Precisamos de regras claras, firmeza e trabalho em conjunto para reverter o quadro dramático em que se encontra sua saúde mental de jovens e lutarmos contra os impactos negativos que mídias sociais exercem sobre eles. Precisamos devolver às crianças a infância rica em brincadeiras livres, multissensoriais e criativas – a infância que forma mentes atentas, flexíveis e resilientes.