Por que a interação entre colegas é tão importante para o desenvolvimento das crianças

Por: Escola Tistu

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Artigos de Educação

23 de nov. 2020
Por que a interação entre colegas é tão importante para o desenvolvimento das crianças

Michele Müller

Muita gente, quando pensa no propósito da educação infantil, confunde o educar com o cuidar e enxerga a escola com um local ao qual transfere os cuidados dos filhos por algumas horas – e de quebra eles aprendem cores, formas e outros conceitos básicos. Quando a criança é privada de ir à escola, esses conceitos podem ser trabalhados de outra forma, com pessoas da família ou com os recursos tecnológicos que as instituições de ensino têm usado. Mas a mais importante função da escola, especialmente nas etapas iniciais de desenvolvimento, não é a transmissão desse conhecimento que pode ser resumido em um vídeo ou mesmo exercitado em atividades individuais — é a promoção da interação com professores e, acima de tudo, entre colegas.

A maior parte daquilo o que é fundamental para o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças geralmente não é ensinado de forma explícita e, portanto, dificilmente pode ser transmitido a distância. Nos diálogos, na construção e cumprimento das regras sociais, nas trocas de papéis e de funções são formadas competências básicas que não podem ser negligenciadas, como o controle do impulso e regulação emocional, a empatia, mudança de perspectiva, o senso de reciprocidade e justiça, a comunicação eficaz e, mais tarde, o raciocínio moral.

Por volta dos três anos as crianças começam a aprender regras sociais na prática, na interação colaborativa entre colegas — o que elas entendem como brincadeiras. A formação acontece por essas duas vias de comunicação: uma autoridade que ensina de forma direta e outras crianças, que ajudam a regular todas as habilidades socioemocionais e ainda a estimular o raciocínio e a linguagem, que são desenvolvidos de fora para dentro, a partir das interações para somente depois fazerem parte do pensamento.

Em problemas trabalhados em conjunto, crianças tendem a flexibilizar o pensamento e a praticar mais livremente o discurso argumentativo que em situações em que apenas seguem instruções de adultos. Desde muito cedo, nas interações com grupos elas são levadas a adquirir a noção de responsabilidade e de respeito aos outros indivíduos, comprometendo-se a fazer sua parte, a cumprir sua promessa, a esperar que seus colegas façam o mesmo e corrigi-los caso não façam. Perto dos três anos, crianças inseridas em interações colaborativas já são capazes, por exemplo, de protestar caso alguém não cumpra uma promessa.

A maturidade para que elas entendam e sigam essas regras sociais e façam julgamentos morais é construída em relações com adultos, também de forma colaborativa, mas praticada intensivamente em diferentes situações na convivência com colegas, quando podem aplicar princípios da reciprocidade e respeito ao invés de apenas seguir regras impostas por uma autoridade. Isso ocorre de forma natural, pois somos uma espécie social por natureza, que se desenvolveu não a partir da dominância ou competição, como em outras espécies, mas da colaboração. E o ambiente escolar bem estruturado deve levar isso em consideração.

As crianças vêm ao mundo com o aparato biológico para desenvolverem competências complexas como a linguagem e a capacidade de se adaptar às expectativas do grupo, mas dependem do meio social para se desenvolver. E há o momento adequado, ou seja, um nível de maturidade permitido pela biologia para a aquisição de cada habilidade. Tanto é prejudicial forçar como atrasar. 

Um isolamento social por um tempo prolongado privou grande parte dos pequenos de interações fundamentais para seu desenvolvimento. Mas o cérebro é extremamente plástico, em especial o das crianças, e os prejuízos podem ser recuperados quando for retomada a convivência entre colegas e com professores. Será preciso paciência, compreensão e, mais que nunca, a consciência, por parte dos educadores, do que as crianças realmente necessitam para se desenvolverem.

Uma das coisas que a educação como um todo poderá tirar desse cenário é justamente essa percepção, com mais clareza, de que o ensino passivo não é eficaz em nenhuma fase ou idade. E também de que a tecnologia, apesar de não substituir a presença, pode ser um grande auxílio para a aprendizagem quando bem utilizada. As escolas que a utilizaram não como substituição da situação presencial, oferendo horas e horas diárias de aulas expositivas, mas como uma forma de aproximar as pessoas e de estimular interação entre os pequenos com certeza alcançaram resultados mais significativos. 

Se não é possível recuperar o tempo perdido, a aprendizagem certamente será, mas isso não significa que se deve aumentar o conteúdo, diminuir o tempo em que é dado ou forçar as crianças a passar mais tempo escutando o professor. O que elas precisam para ficar em dia com o que foi perdido em termos tanto de conhecimento como de habilidades sociais, motoras e de linguagem é motivação.

A curiosidade e a socialização são dois grandes motivadores, duas fontes de energia que movem o aprendizado e fazem com que ele ocorra de forma fluída e eficaz. E devem, por isso, ser os pontos de partidas para que a educação, no próximo ano, não volte ao normal, mas seja melhor. 

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