O ensino da música ajuda no desenvolvimento do cérebro das crianças

Por: Escola Tistu

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Artigos de Educação

03 de mar. 2020
O ensino da música ajuda no desenvolvimento do cérebro das crianças

Por Michele Müller

Um dos mais significativos estudos que comprovam os ganhos cognitivos associados à musicalização e aprendizagem de um instrumento foi realizado recentemente por pesquisadores da Universidade de Medicina de Vermont, nos Estados Unidos, com 232 crianças entre 6 e 18 anos. Foi constatado que o tempo de prática está relacionado com melhor atenção, maturidade emocional e controle de ansiedade.

O estudo analisou a espessura do córtex – camada cerebral mais externa, responsável pelo processamento das funções mais complexas – a partir de exames coletados pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIMH) com a intenção de acompanhar o desenvolvimento do cérebro infantil. Entre crianças que estudaram música, foi observada maior maturação em diversas áreas corticais, como a área motora e diversas regiões da pré-frontal – que envolve planejamento, organização, memória de trabalho, controle do impulso e processamento emocional. A expectativa dos pesquisadores da Universidade de Vermont é alertar para os avanços que a prática musical pode representar no tratamento distúrbios mentais comuns na infância, como autismo e déficit de atenção e hiperatividade.

Uma das grandes vantagens de se trabalhar com a música como instrumento terapêutico está no fácil engajamento das crianças e adolescentes com essa atividade. Ela atua diretamente no nosso sistema de recompensa, provocando a distribuição de neurotransmissores relacionados ao prazer e estados de entusiasmo e relaxamento – o que garante um maior comprometimento com a prática.

O treino musical exige coordenação de ambos hemisférios cerebrais, embora seu processamento encontra-se primordialmente o lado direito. Essa ativação simultânea faz com que, em instrumentistas, a estrutura que permite a comunicação entre os dois hemisférios – o corpo caloso – seja maior em volume e atividade. Sua maturação permite uma melhor combinação de habilidades precisas e linguísticas com a capacidade de pensar criativamente.

Acredita-se que uma conexão mais intensa e firmemente construída entre os dois hemisférios permite também o desenvolvimento de uma expressividade mais rica, de uma melhor comunicação entre palavras e sentimentos.

A música ocupa um papel importante na história da evolução humana como uma das vias mais eficazes para nos colocar em contato com nossas emoções e organizá-las – o que faz dessa arte algo tão instintivo e natural quanto a linguagem. Como Oliver Sacks já definiu, nós somos uma “espécie musical”, da mesma forma como somos linguísticos.

De acordo com o neurocientista e produtor musical Daniel Levitan, autor de O Mundo em Seis Músicas, transformações no cérebro dos nossos ancestrais permitiram surgir o desejo de se comunicar criando representações artísticas e emocionais – e não apenas factuais. A música, segundo ele, faz parte da formação e da evolução de qualquer sociedade, cumprindo um papel fundamental na criação de vínculos, no registro e propagação de conhecimento e na contenção de conflitos.

Recentemente, descobriu-se que o próprio confronto com as emoções, promovido pela música, também traz vantagens cognitivas. Em um estudo realizado em 2012, o pesquisador da Universidade de Harvard, Leonid Perlovsky, mostra que a música, ao promover a reconciliação com sentimentos conflitantes enquanto tomamos decisões – das mais simples às mais complexas -, aprimora também essa função executiva. “Quanto mais diversa e diferenciada nossa nuance de emoções, mais bem fundamentadas são nossas decisões. Seja ao escolher com qual objeto brincar ou ao fazer uma proposta ao namorado, a música ajuda nessas habilidades cognitivas”, conclui o pesquisador.

Essa relação das emoções com a capacidade de tomada de decisão já foi amplamente estudada pelo neurocientista português Antônio Damásio. A novidade é que a música, agora comprovadamente, pode atuar na promoção da melhor comunicação entre essas regiões cerebrais, tão diferentes quanto interdependentes.


Michele Müller desenvolve projetos de neurociência aplicada à educação. Mais informações e artigos: https://michelemuller.com.br

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