Como ajudar os filhos a  enfrentar frustrações

Por: Michele Muller

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Artigos de Educação

23 de fev. 2023
Como ajudar os filhos a  enfrentar frustrações

Michele Müller

Contamos como certo que, sempre que precisamos, teremos serviços rápidos, comunicação momentânea, conforto e remédio para tudo. E quando uma dessas regalias contemporâneas nos falta, nos confrontamos com nossa escassa impaciência e vulnerabilidade ao estresse. Essa baixa tolerância à frustração acaba estendendo-se aos filhos: não aguentamos vê-los sofrer minimamente e fazemos o possível para não desapontá-los e para evitar que a vida lhes diga não. 

Costumamos achar que é cedo demais para perceberem que o mundo, mesmo em sua versão atual, repleta de melhorias e de possibilidades, é muitas vezes duro e nos entrega perdas, derrotas e negativas. Poupá-los dessa realidade é atrasar seu desenvolvimento emocional, levando-os a um despreparo, frente a dificuldades inevitáveis, que pode ser devastador. 

Nossas atitudes diante de desafios é a principal fonte na qual os filhos vão se basear para moldar seu próprio comportamento. Se perdemos a cabeça quando algo vai contra nossas expectativas, ensinamos a eles que devem contar que tudo sempre ocorre conforme o esperado – o que irá fragilizá-los frente a frustrações. Quando não admitimos falhas, próprias ou dos outros, ensinamos que errar é inaceitável – uma lição que resulta em mentalidade inflexível e menos tolerância a frustrações. 

Por outro lado, quando, mesmo com o coração apertado, deixamos os filhos tentarem e falharem, permitindo que resolvam sozinhos problemas e conflitos que estão ao alcance deles, estamos expondo-os a pequenas e diárias doses de frustração, ou seja, construindo tolerância aos nãos de todos os tamanhos que eles precisarão enfrentar. A essa tolerância também chamamos de resiliência – uma qualidade que desenvolvemos na prática, na presença de adversidades. 

Não se trata de ensinar a não se frustrar. Quanto mais nos relacionamos, planejamos e executamos, mais formamos expectativas e mais nos frustramos. Expectativas podem ser ajustadas, mas jamais totalmente suprimidas, pois fazem parte de como nosso cérebro funciona: ele nos faz sentir e agir com base em projeções e previsões que com frequência não se confirmam, fazendo-nos aprimorar nosso modelo mental do mundo de acordo com a forma como a realidade se apresenta. 

Se um colega não tratou a criança como ela esperava, ela vai se frustrar, reconfigurar as expectativas futuras, ajustar o comportamento a elas e aprender um pouco mais sobre as possíveis reações dos outros, avaliando-as como justas ou injustas. Já se tudo correr como o esperado, nada tem a aprender.

Se a criança esperava ganhar algo que algum colega ganhou, mas não foi o que aconteceu, ela vai se frustrar e aprender que não terá tudo o que quer ou que os outros têm, reconfigurando suas expectativas em situações futuras e, como consequência, dando mais valor ao que ganhar. 

Aprendemos com as frustrações e não temos como evitar senti-las, seja qual for a dimensão da expectativa fracassada. Mas temos como trabalhar as reações que derivam delas de forma a reduzir a carga de estresse gerado a cada situação. Ao ensinarmos os filhos a ter controle sobre a resposta ao que sentem, permitindo-lhes que enfrentem adversidades, formamos neles resiliência e autoconfiança. 

As situações difíceis da vida, as respostas negativas, os conflitos e as coisas que dão errado ajudam a formar caráter. Nosso papel não é proteger as crianças de desafios e sim mostrar a elas que, seja qual for a dificuldade que aparecer, estarão sempre amparadas. 

Abaixo, seguem algumas dicas práticas de como transformar frustrações em segurança emocional. 

- Ajude a criança a identificar o que ela sente. Da forma como nos sentimos à forma como respondemos aos sentimentos, todo o nosso universo emocional é formado a partir de relações sociais e a comunicação cumpre um papel importante nessa formação. Dizer à criança que ela não deve se sentir triste ou que não deve chorar não trará resultado algum. Já ao nomear os sentimentos, mostrando que você a compreende, dará a ela meios de entender e expressar o que sente, passos fundamentais para que aprendam a gerenciar as emoções. 

- Ensine a criança a exercitar a gratidão. Há estudos comprovando que exercícios que cultivam o sentimento de gratidão resultam em mais regulação emocional, reduzindo o estresse provocado por emoções negativas. Sirva como exemplo, mostrando-se grato, com gestos e palavras, a tudo o que poderíamos dar como certo ou garantido, mas que não é: saúde, conforto, alimentos, amizades, família, conhecimento, pessoas vivas ou de gerações passadas, cujo trabalho torna nossa vida melhor. 

- Reserve um tempo para ler e contar histórias. As histórias ajudam a trabalhar empatia e a compreender melhor os sentimentos dos outros e os próprios. Sempre que ler ou assistir a alguma história com a criança, comente sobre como cada personagem deve ter sentido, reforçando as mensagens de perseverança diante de dificuldades. 

- Ajude a criança a formar autodisciplina. Isso se faz a partir de uma rotina sólida, com dias horários para as principais atividades, sem abrir espaço para negociações e procrastinação. Dessa forma, elas aprendem que não devem ser guiadas pelos desejos e sim pelas ações – e ações ajudam a regular as emoções. Comemore seu esforço e comprometimento, mostre sua evolução. 

- Ao invés de procurar de muitos jeitos manter a criança sempre ocupada, ensine que ela pode tolerar momentos "chatos", ou ficar sem fazer nada. Mostre que entende que sentir-se entediado é um pouco incômodo e é porque estamos precisando inventar alguma coisa; que todas as coisas legais foram inventadas quando alguém estava entediado. 

- Mostre à criança que ela é capaz de tolerar desafios. Elogie as tentativas tanto quanto os acertos, lembre que ela é corajosa de aceitar desafios. Não ceda ao impulso de ajudá-la sem deixá-la tentar, repetidas vezes.  Não faça por ela o que pode, com algum esforço, fazer sozinha. 

- Deixe a criança resolver seus conflitos. É difícil ver o filho chateado quando se sente injustiçado. Mas ao invés de resolver o problema por ele, mostre que você o compreende, converse, ensine estratégias de lidar e incentive-o a se expressar e usar a comunicação quando considera a atitude de alguém injusta, sempre de forma a controlar os impulsos, lembrando de regras sociais. 

- Ensine estratégias de regulação emocional. Isso inclui, além de identificar e nomear o que se sente, respirar fundo algumas vezes, prestando atenção do peito estufando, caminhar em área aberta, observar os sons do ambiente, alongar o corpo, sentir os batimentos cardíacos. Enfim, levar a atenção ao corpo e canalizá-la a certos estímulos ajuda a organizar as emoções e a acalmar-se. 

- Jogue com a criança. Além de estimularem raciocínio lógico, agilidade mental e flexibilidade cognitiva, os jogos de tabuleiro ensinam a seguir regras, ser paciente e esperar a vez, virtudes importantes na construção da tolerância à frustração. Ensinam também a saber perder – mas para isso não devemos ceder à tentação de deixar a criança ganhar sempre.